Hoje tá fazendo um ano de fim do relacionamento. Não é que não nos gostássemos mais ou que tenha havido traições, grandes decepções, entre outros motivos comuns pra um fim de relacionamento. Ambos sentiram que o modelo em que se vivia ia impedir de ser o que projetávamos ser enquanto indivíduos. Éramos um pouco mais que adolescentes e faltavam conquistas e derrotas importantes em nossa bagagem de vida. Faltavam degraus, não muitos, mas faltavam degraus para se ter a sabedoria de conduzir uma construção a dois. Algo leve e sólido, tranquilo e apaixonado. Engrançado está pensando nisso agora. Acho que foi a matéria no Fantástico a respeito do casal que teve quadrigêmeos. Fiquei lembrando do tempo que falávamos em ter filho. Ela seria uma boa mãe para meus filhos.
Domingo a noite assistindo tv por não querer nada que exija esforço físico, mental ou emocional. Semana foi bastante dura e agora um pouco de nada televisivo. Pensando bem, trocaria esse descanso por um pouco de esforço físico e prazeroso com ela. Não haviam muitos limites entre nós na cama, tudo era bem experimentado e harmônico. "Uma puta na cama e uma dama na sociedade" era o tipo ideal de mulher do meu avô e acho que é meu tipo também. E ela era assim. Citei meu avô justo no momento em que aparece na tv uma matéria sobre o bem estar na terceira idade. Meu avô teria sido menos infeliz se menos só. O canal dele com o mundo era a minha vó, ao menos ela o motivava a frequentar o círculo social da cidade deles. Fim da vida dele foi na fazenda, tocando o não grande negócio de arroz e só. Aliás, tinha também a companhia dos livros e de Messias, seu único empregado fixo que gostava de cachaça como ningúem. Acho que me sinto como meu avô depois que perdeu minha vó, com excessão de não ter um Messias por perto pra aguentar meus lamentos e atender minhas vontades.
Essa pizza com coca cola na propaganda da tv, me fisgou. Vou ligar para uma pizzaria aqui de perto. Malditas propagandas, e gostosa nesse caso. Alô, boa noite, sim, já sou cliente de vocês, meu telefone é o 99981085, isso, rua Carlos Chambelland número 81, exato, perto de vocês, né? Uma pizza média, meia portuguesa e meia rúcula, ah, e uma coca de um litro, não precisa trazer troco, obrigado. Voz bonita a da mulher que me atendeu. Um tempo mais e meu vazio será preenchido por pizza. Pizza no domingo a noite é tão... E isso agora? O que estava em penumbra, foi tomado pelo escuro. As poucas luzes emitidas pelo Fantástico foram vencidas. Breu aqui dentro e lá fora. Será que a falta de luz vai atrasar a chegada da minha pizza? Agora me soa aquela outra propaganda que dizia imagem é nada, fome é tudo! Ou algo por aí. E nem vai adiantar catar vela. Fiz a feira nesses dias e esqueci de comprá-las. Ela nunca se esquecia pois tinha medo de escuro. Quando faltava luz, ficava toda abraçadinha a mim.
Quando faltava luz na fazenda, algo comum em época de férias de julho, meu avô juntava os netos e contava histórias. Sempre vinha algum rei, bruxa, caçador, princesa, bichos falantes ou pirata na história. Lembro de uma história de pirata que ele contou em pelo menos três férias diferentes. Não sei se esquecia que já havia nos contado, ou se gostava muito da história. Consigo lembrar dele contando, inclusive com as pausas e suspiros. "E o pirata enfrentou tempestades, furacões. Além de maremotos, monstros marinhos, cantos de sereias. Por sete mares navegou e achou enfim a querida, a sonhada, a musa de sonhos tantos... A Ilha do Tesouro. Ao chegar na Ilha, ele, o faminto, ele, o caolho, rendeu dois nativos e os fez de reféns. Estes sem escolha, frente a grande destreza do pirata, levaram-no ao ponto "X" do mapa: O ponto do tesouro. Movidos pelo medo e pelo brilho dos olhos e da arma do sedento, os reféns escavavam. Após muitas gotas de suor e de lágrimas, eis a arca. E o pirata... Não! Sim. Matou os passivos. E ele, a ambição caolha, com saliva entre os dentes, tirou a poeira que ofuscava o brilho do seu sonho maior. Rompeu o cadeado que o separava do seu custoso tesouro e antes de abri-lo, brindou com o vasto mundo: A conquista! Deu um vasto gole de rum. Ao abrir a arca: NÃO PODE SER! Mas sim, pôde. Ele achou nada a mais nem menos que um pequeno espelho amarelado. E esse amarelo não era feito de ouro. Olhou-se no espelho e teve medo. Se jogou no mar e começou a nadar sem rumo. Apesar de boatos de que tenha se isolado numa ilha deserta, ou de que tenha se casado com uma sereia e viva no fundo do mar, ninguém nunca mais teve notícias de seu paradeiro". Tenho a impressão de que ele sentia que algum de seus netos ia ser um pouco como aquele pirata, que era um pouco como meu avô.
A luz veio e se foi como um flash e como se pousasse para uma foto, pensei ter visto meu avô sentado na poltrona que fica no canto da sala. Não queria está sozinho agora. Não por medo do que pareci ter visto. Até seria bom poder conversar um pouco com meu avô, independente da dimensão que ela esteja. Não queria está sozinho para poder está com ela, ou para falar com alguém coisas menos intensas do que as que sinto neste momento. E essa pizza que não chega? Ôpa, chegou a luz. E meu avô não está onde pensei tê-lo
visto. Foi-se de novo a luz. E essa geladeira? Se fizer esse vem e vai de novo, eu tiro os eletrodomésticos da tomada. Que cheiro bom no ar! Está parecendo com o dela quando saia do banho. Cadê que não chega? Cigarra tocou. Será que... Boa noite. Bom que você chegou, vazio grande aqui dentro. Olha só a luz voltou! Você trouxe a luz. Obrigado. Eu sei que você está sem troco, ele é seu. Boa noite.
Se o gosto não mudou, lembro que portuguesa é a pizza preferida dela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário