Rua da Alegria

Se tivesse que estar ali no dia seguinte, eu juro que pedia demissão. Feriadão pela frente e sem plantão, foi o que me deu força para não mandar tudo pra puta que o pariu. Apesar de não aguentar mais ouvir palavras como cliente, sistema novo, hora extra, metas, feedback... Eu tinha de ficar naquele ambiente por mais quinze minutos. E por incrível que pareça, todas as malditas palavras se acomodaram nos quinze minutos mais longos de minha vida. Ao dar a minha hora, saí sem nem me despedir da supervisora loirinha que tenho saído de vez em quando.

O prédio do trabalho fica na Rua da Alegria. Nunca entendi o porquê do nome. Fábricas antigas, prédios feios, nenhuma residência a vista pra dar alguma vida. Ou seja, nada que fizesse tal Rua honrar esse nome. E a parte, para mim tinha o agravante do inferno que vinha sendo o trabalho nos últimos tempos, bem pouca alegria.

A medida que me distanciava do prédio do trabalho, comecei a escutar pulsações fortes e ritmadas e pela marcação era samba. Nunca pensei escutar algo daquele gênero naquela região. Ao invés de dobrar a esquina que me levaria ao roteiro habitual, metrô-ônibus-caminhada-casa, decidi seguir o convidativo som. Após meio quilômetro, mais ou menos, o som ficou mais nítido para os ouvidos e para os olhos. Pessoas, roda de samba, cervejas, música cantada em coro, dança dando corpo ao ritmo. Me desfiz dos nós da gravata e do rosto, comprei uma cerveja e entrei no coro. Depois de algum tempo puxei conversa com um sujeito com modos de anfitrião. E de fato era um dos organizadores daquilo ali. Me explicou que os moradores do bairro se reuniam para prestigiar os sambistas locais e convidados de outras regiões. Ele pediu licença e foi atender a um chamado. Me deixou com a lata de cerveja na mão e com a alegria na alma.

Terminei a latinha e a joguei no lixo. Fui comprar outra e enquanto esperava o troco, vi uma negra que chamava a atenção dos que estavam por perto dela. Meus olhos ficaram enfeitiçados com aquele espetáculo. Pernas, bunda, peitos, lábios, cabelos, olhar, dança, riso... Tudo em perfeita ordem. E não sei se eu tava com essa bola toda, mas ela ficou me fitando com olhos que só quem viu é quem sabe. Tomei posse da brecha dada e me aproximei. Ela ficou dançando ao meu redor, pra mim. Arrisquei uns passos tímidos e perguntei seu nome. Ela me respondeu com outra pergunta:
- tenho cara de quê?
- de alguém que é uma poesia na cama.
- olha só o Don Juan da Alegria... Me refiro ao nome, tenho cara de quê?
- de Felicidade!
- então é.
Já tinha buscado a felicidade em várias coisas ao longo da vida, e ela veio pra mim duma forma tão bonita, tão gostosa.

Cervejas e sambas coloriam nossos olhos. Com os beijos e a pele em brasa, nos afastamos do samba rumo ao desconhecido. Paramos num canto de parede mais afastado e senti os mamilos dela me espetando enquanto sua mão verificava o quão excitado meu pau estava. Vimos um táxi se aproximando. Ela tirou a mão de dentro de minha calça e fez sinal pro taxista parar. Ele olhou meio desconfiado, mas parou. Entramos e passei meu endereço ao senhor de bigode que por pouco não nos flagra fazendo amor no meio da rua.

O que não fizemos na rua compensamos em casa. Todas as posições, caras e olhares sexuais foram explorados esta noite. Nunca consumira nem havia sido consumido pela felicidade como nesta noite. O dia que até o fim do expediente foi o mais insuportável dos último tempos, se transformara no mais desejável. Eu e a felicidade erámos um só. Estávamos em perfeito encaixe. Dormi e sonhei. Lembro que eu buscava a felicidade a todo custo no sonho. Não a mulher, mas o estado de espírito. Só que apesar de ser um estado de espírito, eu a buscava como se ela tivesse forma ou algo assim. No sonho...

"Via a Ana Maria Braga dando recados positivos de inicio de programa e desligava a TV por não encontrar felicidade naquelas mensagens. Ia a geladeira buscar algum doce sabor felicidade e não achava. Me dirigia a minha biblioteca particular e lia rasamente várias coisas em busca de um choque de felicidade. Folheava o oriente, o ocidente, o inferno, o céu, metafísicas, física quântica, clássicos, contemporâneos, kama sutra, revistas e jornais diversos, e nada da felicidade. Saia dali rumo ao comércio. Lojas de CDs, vídeos, brechós, sex-shop, perfumes, comidas macrobióticas, incensos, quadros, utilitários em geral... Tantas lojas e nenhuma com a felicidade nas prateleiras. Como um apostador sedento, chegava a comprar um carro na ânsia de que tamanho investimento trouxesse a felicidade no banco de passageiro, mas nada, só o plástico nos bancos e o cheirinho de carro novo. Largava o carro no meio da rua e andava sem rumo até me ver na Rua da Alegria. Ouvia as pulsações fortes e ritmadas. Me aproximava e tudo se repetia tal qual a experiência recém-vivida, e tudo nos mínimos detalhes. O senhor me falando sobre a reunião para prestigiar os sambistas, a Felicidade dançando pra mim, o tesão, o táxi, minha cama, os gozos, o sono bom..."

Naquele estágio em que nem se está dormindo nem se está acordado, pus o braço para o lado na certeza de sentir o calor da Felicidade. Senti o vazio na cama. Despertei e fiz uma busca nos não muitos cômodos da casa e o máximo que achei foi uma marca de batom em forma de beijo num guardanapo. O único resquício da Felicidade estava em cima da mesa da sala. Nenhum telefone, endereço, promessa de um próximo encontro... Nada.

Pensei em ligar a TV, mas fiquei com receio de ver a Ana Maria Braga dando seus recados positivos de início de programa.

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